“O essencial da vida de um padre é a Igreja das pedras vivas”

Joaquim Francisco Jacinto Ludovino nasceu no Turcifal, concelho de Torres Vedras, a 22 de outubro de 1969. Cresceu numa família de quatro irmãos, com uma educação religiosa. Desde 2011, é pároco de Santo Estevão e Triana, em Alenquer, mas curiosamente o seu percurso de sacerdote começou no nosso concelho, em 1997, em Olhalvo e Ventosa. Hoje, 29 de junho, celebra as Bodas de Prata de Padre.

Nova Verdade: Chama-se Joaquim Francisco, mas toda a gente o trata só por Francisco. É assim desde pequeno?

Padre Francisco: Sempre fui tratado por Francisco. Em casa é por Chico, Joaquim e Francisco são os nomes dos meus avós, mas sempre fui tratado por Francisco, também nas paróquias.

Como era enquanto criança?

Sempre fui um um falso tímido, já em criança era assim! Quando tenho confiança, num ambiente mais familiar, sou brincalhão; quando estou com pessoas que não conheço tão bem, sou mais retraído ou menos extrovertido.

Quando é que sentiu a sua vocação?

Com os meus 15 ou 16 anos, em Torres Vedras, assisti à Missa Nova, do Padre Luís Germano, e aquele ambiente da Missa Nova tocou-me. Sempre andei na catequese desde pequenino. Ia à missa com a minha família, mas aquele ambiente tocou-me, houve alguma coisa que mexeu comigo na entrega daquele sacerdote. Depois surgiu, juntamente com outros colegas, ir para o pré-seminário, que é um caminho de discernimento, ainda um bocadinho sem grandes certezas. Os mais novos, quando vão para um seminário, parece que vão com muitas certezas de quererem ser padres. Eu nunca fui com muita certeza, fui fazendo um caminho, caminhando em diálogo com uma equipa formadora e em diálogo com os padres que estavam nos seminários.

Como foi comunicar à família que ia para o seminário?

Foi pacifico. Sempre tive bom acolhimento dos meus pais e da família em geral, houve muito apoio e correu sempre tudo muito bem.

Depois do pré-seminário, qual foi o seu percurso?

Entrei no seminário ainda para o liceu. Comecei em São José de Caparide, quando abriu. Ainda estávamos no edifício antigo, com a mata muito por desbravar, porque esteve abandonada muito tempo, fui quase pioneiro lá. Três anos depois, fui para o Seminário de Almada, estive lá quatro anos. Aí, comecei o curso de Teologia e Filosofia, os primeiros tempos têm muita Filosofia. Segui para o Seminário do Olivais, mais três anos e um ano de Pastoral, onde se faz a pós-graduação em Teologia Pastoral, no ponto de vista académico. Depois, é evidente que nos seminários existe uma formação também complementar. A vertente pastoral é como se fosse um estágio em comunidades. No meu caso, estive no Bairro da Encarnação e depois Olivais Sul.

Custou-lhe o processo e a mudança?

Custa sempre. Quer dizer… os meus colegas de curso diziam que eu me habituo a situações novas muito facilmente. É uma realidade nova, com uma família nova, com colegas que não conheço. É habituarmo-nos a pessoas que são diferentes de nós e que vão fazer parte da nossa vida.

Durante todos esses anos, alguma vez teve dúvidas?

Sim, isso faz parte. É sinal de que estamos a pensar no assunto, é normal. Por isso é que temos Diretor Espiritual, a quem, em diálogo, vamos colocando as nossas questões, os nossos problemas; vão-nos ajudando também a discernir o caminho a seguir. O diálogo e a oração não são uma coisa que fazemos por conta própria, é o Nosso Senhor a colocar-se na nossa vida e a mexer connosco.

Ao longo da sua vida devem ter existido momentos complicados. Alguma vez colocou a fé em causa ou agarrou-se sempre à fé?

Eu já tenho um longo histórico. Estava no Seminário de São José, quando faleceu um sobrinho meu com 10 anos. Já era Padre, quando faleceram a minha mãe, a minha irmã, três anos depois, e o meu pai, há dois anos. Há saudade, mas a certeza de que nos vamos encontrar todos. Podemos dizer “quanto mais tarde melhor”. É sempre estranha a realidade futura… É estranha, no sentido do desconhecido. Se conhecer o amor de Deus, com toda a certeza é melhor do que estarmos aqui.

Foi ordenado nos Mosteiro dos Jerónimos, a 29 de junho de 1997. Naquele dia, a sua vida mudou para sempre. Qual é o sentimento que se tem num dia assim?

Isso é verdade, mas também já vamos fazendo esse trabalho, porque antes há as ordens menores: ser instituído acólito, ser instituído leitor e mais tarde ser diácono provisório. Não é assim um virar de um momento para o outro, é um caminho que se vai fazendo. Naquele dia, é sempre um misto de emoções, de alegria e nervosismo.

Curiosamente foi uma Missa Nova que o despertou para o sacerdócio. Como foi a sua?

A Missa Nova é a primeira missa que uma padre celebra no local de onde é natural, a minha foi no Turcifal. Na minha paróquia, há uma igreja muito grande e tive a sorte de celebrar lá. Depois houve uma festa! Curiosamente, apareceu aquele texto do Evangelho, que diz que nenhum profeta é bem aceite na sua terra… Um bom texto para uma homília de uma Missa Nova! (risos)

Como soube da sua primeira paróquia, no concelho de Alenquer, em Olhalvo e Ventosa?

Devemos obediência e reverência ao Bispo Diocesano. Ele nomeou-me e falou comigo primeiro. Vim para uma equipa na Merceana, onde estava o padre Dionísio, com quem fiz caminho no seminário. Foram os meus primeiros amores, as minhas primeiras paróquias, há um carinho muito especial por elas.

Em 2004, é nomeado para o Cadaval. A dimensão das paróquias é diferente. Como foi a sua primeira grande mudança?

As mudanças são necessárias, fazer as nomeações é quase um jogo de xadrez. Mas se estamos ao serviço, estamos ao serviço. É um desafio. A mudança tem um lado bom e um lado mau. Quando estamos a conhecer o nome das pessoas, vamos embora…

Em 2011, veio para Alenquer, onde o Padre Zé estava há mais de três décadas, marcando a história do concelho. Antes de se saber quem chegaria, especulava-se muito: “Quem virá para o lugar do Padre Zé?”. Sentiu, de algum modo, uma responsabilidade acrescida?

É sempre um desafio, estamos sujeitos a comparações, não é fácil. O Padre Zé fez muito pela comunidade, era ótimo em História e eu não sou! Cada um tem os seus defeitos, as suas virtudes, as suas qualidades; é próprio do Homem e naturalmente do Padre. Senti o apoio dele. Foi pena não termos estado mais tempo juntos, mas ele apoiou-me muito e isso facilitou-me a vida. Aqui, tenho também o Duarte João, que, como toda a gente conhece, é excelente e um amigo. É um apoio extraordinário na pastoral.

Entre 2015 e 2019, assumiu a Paróquia de Santana da Carnota. Foi uma surpresa?

Na altura, D. Nuno Brás [Bispo Auxiliar de Lisboa à época] disse-me que era preciso esticar-me mais um bocadinho, e eu estou ao serviço. Foi cansativo. Alenquer parece que é pequena, mas não é assim tanto, existem diversos locais de culto. Em Santana da Carnota, foi um trabalho de continuidade.

Em 2019, deixou Santana da Carnota, mas foi nomeado Pároco de Abrigada e Ota. Ganhou também o Padre Tiago, que tinha acabado de ser ordenado.

É sempre bom os padres mais novos não caírem de paraquedas e terem um apoio. O Padre Tiago foi uma mais-valia. É alguém com quem me dou muito bem, às vezes também lhe môo o juízo (risos), mas damo-nos muito bem e é uma boa ajuda. Acabei por lhe dar as paróquias de Ota e Abrigada, para ele se ir habituando ao ritmo.

Recentemente, em Alenquer, avançou com as obras na Igreja de São Pedro, porque já precisava. Foi uma aventura?

Para quem se mete em obras em paredes velhas, é sempre uma aventura, para a qual é preciso dinheiro. É um desafio dos maiores. No fundo, as obras, mais cedo ou mais tarde, fazem-se, mas o essencial da vida de um padre é a Igreja das pedras vivas, é criar comunidade… essa é uma tarefa que leva muito mais tempo. Tenho comunidade e gente muito boa, mas um padre, quando é nomeado para uma zona, é para todos, é chegar a todos. Claro que não consigo chegar a toda a gente, mas tenho de criar condições para que aqueles que estão cheguem a esses todos. Esse é que é o grande desafio de um padre na comunidade.

Teve um papel muito importante no aspeto de criar comunidade, quando trouxe o Alpha para Alenquer. O sucesso do projeto foi algo que o surpreendeu?

O Alpha é uma ferramenta. Há muitos movimentos na Igreja, muitas formas de levar Nosso Senhor ao coração dos homens. De maneira simples, o Alpha é um método que realmente agrada às pessoas e que as ajuda a viver, a saborear e a experimentar um bocadinho o que é ser Igreja, o que é ser comunidade. Muitas vezes, as pessoas não gostam da Igreja, não gostam dos padres porque não conhecem sequer; têm uma ideia pré-concebida e metem um rótulo. O Alpha, na simplicidade, mostrou a muita gente que afinal a Igreja é diferente daquilo que pensava, porque a Igreja, no fundo, somos nós, cada um dos batizados. O símbolo do Alpha é um ponto de interrogação. É para interrogar as pessoas e ajudá-las a pensar um bocadinho nas coisas que às vezes são dadas como adquiridas, mas nem sequer pensadas, como por exemplo: quem é Jesus, porque é que Jesus morreu, rezar porquê e como, quem é o Espírito Santo, etc. São interrogações às quais procuramos responder, num ambiente descontraído. Depois da pandemia, em setembro, estou a pensar começar um novo Alpha, espero que haja condições para isso.

Durante a pandemia, sentiu, enquanto pároco, uma responsabilidade acrescida?

Sim, é chegar à comunidade por outros meios e usá-los. Todos os dias, celebrava missa em casa com o Padre Tiago. O Duarte João ia lá ao domingo com a família, e era ali a mini-célula da Paróquia. Estávamos em união com todo o resto da comunidade. Acho que as pessoas também sentiram essa proximidade da nossa parte, até pela Rádio Voz de Alenquer, com aquela rubrica pequenina e simples que tínhamos, mas que também era uma maneira de chegar às pessoas.

Para terminar, um momento positivo e um momento negativo deste percurso de 25 anos…

São tantos anos… Negativos não houve. Houve momentos em que temos de descalçar o sapato e resolver situações… Pessoas que nos vêm pedir ajuda e nós somos completamente incapacitados de as ajudar, às vezes tira-nos o sono. Agora, situações boas são tantas. Como sabia que vinha para aqui, fiz mais ou menos as contas aos anos que completei e às celebrações que tive! Missas para cima de 14 mil. Funerais, batismos e casamentos na casa dos milhares. E, sobretudo, aqueles contactos e momentos que tivemos com as pessoas, nomeadamente no Sacramento da Reconciliação [confissão] onde podemos ajudar as pessoas que, por vezes, têm vidas difíceis que, neste contacto, vamos ajudando a ter mais ânimo e esperança.

As Bodas de Prata de Sacerdote do Padre Francisco vão realizar-se esta quarta-feira, dia 29 de junho, em Alenquer.

Às 18h30, celebra-se missa na Igreja de São Francisco, seguindo-se um jantar no Centro de Eventos do Porto da Luz. A missa vai ter transmissão em direto a partir da Rádio Voz de Alenquer.

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